Por Gustavo Leite, Consultor de Investimentos LEMA
Bom, ela chegou! A tão aguardada nova arquitetura regulatória dos investimentos dos RPPS.
A publicação da Resolução CMN nº 5.272, em 18 de dezembro de 2025, marca um novo estágio na regulação dos investimentos dos RPPS. Mais do que uma simples atualização da Resolução nº 4.963/2021, a nova norma sinaliza uma mudança qualitativa na forma como o regulador enxerga a governança, o processo decisório e a responsabilização na gestão dos recursos previdenciários.
Em uma leitura inicial, fica claro que a 5.272 não se limita a ajustar limites ou redefinir segmentos de aplicação. Seu foco central parece ser o processo, em como as decisões são tomadas, documentadas, monitoradas e justificadas. Deslocando o eixo da supervisão do “onde investir” para o “como decidir investir”.
Logo em seus primeiros artigos, a Resolução nº 5.272 explicita um avanço conceitual relevante ao reforçar princípios como diligência, prudência, tempestividade, motivação e transparência como deveres ativos dos responsáveis pela gestão do RPPS.
Embora a maioria destes princípios já estivessem presentes na 4.963, agora eles ganham densidade normativa ao serem diretamente vinculados a deveres operacionais concretos.
A norma também deixa claro o que todos já deveríamos saber: o rol de responsáveis, incluindo não apenas dirigentes e conselheiros, mas também membros de comitês de investimentos, procuradores com poderes de gestão, consultores e agentes de mercado, cada qual “na medida de suas atribuições”.
Essa ampliação sugere uma mensagem clara: o regulador não está mais interessado apenas no resultado das alocações, mas na cadeia completa de aconselhamento, análise e decisão.
Na prática, isso eleva significativamente o grau de responsabilidade individual e coletiva dentro dos RPPS, exigindo clareza na separação de funções, definição formal de alçadas decisórias e registro documental robusto de todo o processo decisório.
Outro ponto estrutural e, talvez, polêmico, da Resolução nº 5.272 é a consolidação da governança como critério de acesso aos segmentos e ativos de maior complexidade. O mecanismo de diferenciação por níveis de aderência a programas de certificação institucional deixa de ser apenas um incentivo marginal, como ocorria na 4.963, e passa a organizar todo o mapa de possibilidades de investimento.
A lógica é simples, mas poderosa. Quanto maior a maturidade institucional do RPPS, lê-se maior nível de Pró-Gestão, maior o leque de instrumentos disponíveis.
Este ajuste também pode ser lido como “sem um nível de Pró-Gestão avançado, o RPPS não vai conseguir estruturar uma carteira entre uma quantidade razoável de categorias de fundos”.
Do ponto de vista prático, a mensagem para os gestores é inequívoca: investir em governança deixou de ser apenas uma boa prática e passou a ser condição objetiva para ampliação de estratégias.
Um dos avanços mais evidentes da nova resolução está na centralidade conferida à gestão integrada de riscos. A 5.272 explicita que o gerenciamento deve abranger riscos de mercado, crédito, liquidez, operacional, legal, sistêmico e outros inerentes a cada operação, além de considerar, quando material, aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG).
Paralelamente, a norma reforça a obrigação de avaliação e divulgação dos custos totais dos investimentos, inclusive aqueles embutidos em fundos e estruturas intermediadas. Essa ênfase em custos e riscos sinaliza um alinhamento maior com práticas internacionais de supervisão previdenciária, nas quais eficiência e transparência são vistas como componentes inseparáveis da boa governança.
Do ponto de vista dos segmentos de aplicação, a Resolução nº 5.272 preserva a estrutura geral já conhecida: renda fixa, renda variável, exterior, estruturados, imobiliários e consignados; mas reorganiza limites e critérios de acesso.
Nesse novo desenho, a Resolução nº 5.272 consolida um entendimento mais restritivo quanto à intermediação das operações dos RPPS. Ao exigir que a compra e venda de cotas de fundos e demais ativos seja realizada diretamente por instituições financeiras autorizadas, sem prepostos, com estrutura própria e responsável técnico formalmente identificado, a norma praticamente inviabiliza a atuação de agentes autônomos de investimentos e distribuidoras como canal de relacionamento operacional com o RPPS.
No que se refere à contratação de consultoria de investimentos, a Resolução nº 5.272 reforça, de forma que eu achei bastante direta, o enquadramento desse serviço como atividade técnica especializada.
Ao elevar o nível de exigência quanto à experiência, qualificação, independência, padrões éticos e responsabilização dos consultores, a norma fortalece o fundamento regulatório para contratações por inexigibilidade, desde que devidamente motivadas e documentadas.
Em síntese, a Resolução CMN nº 5.272/2025 representa uma evolução qualitativa em relação à 4.963.
A mensagem entendida é a exigência de maturidade institucional.
Para os RPPS, o desafio que se impõe não é apenas revisar limites ou reenquadrar carteiras, mas repensar processos, fortalecer governança, qualificar registros e elevar o nível técnico das decisões.
A mensagem regulatória é clara: a sustentabilidade previdenciária passa menos por escolhas pontuais de ativos e mais pela qualidade estrutural das decisões tomadas ao longo do tempo.